terça-feira, 22 de julho de 2008

Clarice

Gosto de Clarice. Nunca soube direito exatamente porque. Mas Clarice é melancólica e eu também sou. Clarice gosta da solidão e faz dela o alicerce que a sustenta. Talvez essa nossa semelhança faz com que eu goste de ler seus livros. Talvez seja isso. Sei que a melancolia não me entristece. Ao contrário, normalmente me fortalece, me faz ver a beleza da simplicidade. Não consigo entender o porque e como as pessoas procuram refúgios nos bares, nas ruas, nas outras casas... não conseguem ficar consigo mesmas. Isso é preocupante. Uma vez ouvi que boate é coisa de gente triste. Atrevo-me a falar mais: viver na rua, nos bares, nas outras casas... isso é coisa de gente triste. É preciso um tempo para si, para viver a melancolia de ser você. Falo isso porque é o que tenho presenciado diariamente e justamente por isso, vejo o quanto é importante ficar em minha companhia.

1947 Berna - Suiça "Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma". Clarice Lispector

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